Woody Allen aos 75 anos percebeu (na verdade já há alguns anos!) que o tempo é apenas uma ideia e que tudo é efêmero, inclusive o cinema. As coisas só são eternas dentro de nós e enquanto as amamos. Todo o resto é ilusão. E que, de todas as ilusões, a mais eterna e a que mais dá sentido à vida, apesar do tempo, é a arte. E depois dela o amor, que é tão ilusório e efêmero quanto o tempo. Poucos diretores refletem sobre a própria arte e o significado dela em sua vida (não apenas a cinematográfica) com tamanha coragem. Em “Tiros na Broadway” o autor/diretor, em uma cena final belíssima, reconhecia que não era um artista e o melhor que podia fazer para o mundo e para si mesmo era seguir seu coração, viver seu amor e conhecer-se sem medo de ser humano e falível. E que o mundo não desmoronaria sobre sua cabeça se fosse viver outra profissão, já que não tinha determinação nem originalidade para ser um verdadeiro artista. E o que são verdadeiros artistas? Seres que passam pela vida, dão importância à coisas difíceis de definir e tocar, que seguem suas intuições nem sempre lógicas e que amam acima de tudo. Amam palavras, cores, imagens e fazem da vida uma aventura contraditória e paradoxal, porque importante mesmo é o que não pode ser compreendido com lógicas, nem explicado com palavras. “Midnight In Paris”, o novo filme de Woody Allen, é um efêmero milagre sobre o tempo e o amor. Uma pequena jóia paradoxal que reflete sobre o prazer de estar vivo, de criar, imaginar, iludir-se com tudo o que dá prazer e, principalmente, sobre a importância do presente. E para isso, o velho e querido Woody vai ao passado apenas porque pode e quer, e dá ao cinema o direito de não ser nada e ainda assim, ser tudo. Guardando as devidas proporções, com a mesma liberdade que um dia nos deu “Fellini 8. ½” ou “O Ano Passado em Marienbad”, por exemplo! O milagre metafórico e cinematográfico de voltar no tempo, que acontece em “Midnight In Paris” é um, tão mágico quanto o que vivemos (se queremos!) em nosso fugaz dia a dia. Afinal não visitamos Machado de Assis em pessoa, quando lemos “Dom Casmurro”? Ou Luis Buñuel e seu melhor quando assistimos em casa ou na cinemateca a “O Anjo Exterminador”? Mas que “nós” é esse? O “nós” que ama o que é profundamente artístico. O “nós” que enxerga alhos e bugalhos em “Hannah e Suas Irmãs”, só pra dar uma pincelada. Woody Allen passeia carinhosamente pela beleza das coisas que só são belas porque nós vemos beleza nelas. Como a chuva, por exemplo. Ou uma música que descaradamente diz “os jaburus no Pará, fazem... tico-ticos no fubá fazem...”, na versão cantada por Elza Soares e Chico Buarque, de Cole Porter. E há os que amam a arte e preferem ficar com Cole Porter. Por que, não? E os que amam a arte da mesma maneira e preferem viver perigosamente o seu tempo, ainda assim amando o que já passou. Por quê? Porque como eram charmosos e inteligentes, e como ainda o são os artistas! Criativos e apaixonados! Românticos e inocentes! Porque o artista é antes de tudo, um inocente que agarra-se ao efêmero e ilusório como o único galho capaz de impedir a queda real para o precipício. E sabendo e fazendo de conta que não sabe, que o galho também é ilusório, assim como o precipício. Woody Allen com “Midnight In Paris” fez um dos filmes mais encantadores dos últimos tempos, mais livres e mais modernos. Mas que moderno é esse? O moderno que revolucionou a arte, que fez da transgressão, da dissidência, da loucura, da imoralidade e do incêndio o alimento para ela nova, a arte. Mas isso já não é antigo? Já não se estuda na academia? Que importa? A defesa intransigente da autonomia humana é também um alimento da modernidade. Então que cada um agarre-se ao tempo e à arte que lhe inspira mais amor, porque, afinal de contas, tudo não é apenas ilusório como o tempo? E tão efêmero! Em “Midnight In Paris” muitos atores que eu amo passeiam brincando e dançando pelos planos e sequências, como Kathy Bates, Marion Cotillard, Adrien Line e Tom Hiddleston; mas incrível e surpreendente mesmo é a interpretação carinhosa e precisa de Owen Wilson, que dá a medida perfeita (cheio de tiques woodyaleanos) da inocência e da paixão de que pensei aí pra trás. E esse senhor, Woody Allen, aos 75 anos, dá uma demonstração poderosa de fôlego, liberdade, paixão e arte com seu novo filme. E todos saem do cinema com um largo sorriso escancarado na face. Pelo menos aqueles que conhecem o sabor da paixão e sabem que o filme acabou, mas que por ser intocável, ilusório e efêmero, é melhor; e que será eterno enquanto fizer cócegas no cérebro e acelerar o coração. Aí, que lindo!!!
Ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai!
ResponderExcluirQue filme lindo! Já vi duas efêmeras e eternas vezes!
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