segunda-feira, 4 de julho de 2011

UMA VELHA AMIGA




Quando o assunto é Alfred Hitchcock eu sou sempre suspeito, nunca, ninguém deve me levar a sério. Sou muito fã, muito tiete, muito apaixonado! Pois considero "Frenesi/Frenzy/1972" um filme modernérrimo, até hoje, inacreditávelmente contemporâneo, tanto na forma como no conteúdo. E o velho Hitch, vindo do cinema mudo, já estava com 73 anos quando o fez. Mas isso é outra história, porque em nenhum de seus filmes ele exercitou tanto o tal anti-erotismo. As mulheres assassinadas (e as que não o são!) são todas comuns, maduras, normais; mas ao mesmo tempo determinadas e cheias de personalidade, o que, absolutamente, não as protege da morte violenta. Hittchcock era um manipulador implacável! Mas as mulheres de "Frenesi"... Nada do glamour de uma Grace Kelly ou de uma Ingrid Bergman. Foram escolhidas a dedo, assim como o protagonista (Jon Finch) desgradável e antipático por natureza. É preciso um esforço muito grande para não torcer para que ele se foda. Enquanto o assassino, revelado logo no começo (Barry Foster, falecido em 2002), apesar de ter aquele aspecto de barata descascada, tem um não-sei-quê de simpatia que nos leva a ficar esperando pelo próximo crime. Mas, entre tantas inteligências de "Frenesi", uma imagem ficou guardada em minha memória. Após uma noite de sexo burocrático e amigável, entre o mocinho fugitivo e sua amiga, ela, pela manhã, sai da cama e nua, desprovida de qualquer elan, vai até o banheiro. A atriz? Anna Massey. Talentosíssima, mas magra, sem atrativos hollywoodianos e com um rosto simples e básico, mas muito humano, muito próximo de nossas realidades. A presença de Anna Massey, naturalmente nua, é um bálsamo para o filme e típica dos anos 70. Quase cinema verdade, num cinema que nada tinha de verdade, o de Hitchcock. Logo depois, Hitchock providencia seu assassinato, em duas cenas antológicas: a do próprio e a melhor, quando o assassino resolve livrar-se do corpo e o velho Hitch exercita sua crueldade, seu humor negro, seu desprezo pelo sexo alheio e sua relação complicadíssima com as mulheres. Inesquecível. Anna Massey e sua nudez nunca descolou-se da minha memória; nua mesmo e morta, misturada às batatas (cena censurada quando assisti no cinema e inteira quando revi, anos depois em VHS). Desde que vi o filme no extinto Cine Lido, nutri uma admiração absurda por sua coragem e por seu talento. Nunca mais a vi no cinema. Até que no ano passado resolvi assistir a uma minissérie da BBC, adaptação de "Oliver Twist", de Charles Dickens. Por sinal, uma minissérie excelente e que só perde para o clássico de David Lean; milhões de vezes melhor que o filme medíocre de Roman Polanski. E, assim, sem mais nem menos, dou de cara com Anna Massey. Magra, velhinha, carcomida, aos 70 anos,vivendo uma simpática camareira, toda clássica, toda vestida, toda pudica. Meu coração bateu mais forte. Foi como se reencontrasse uma velha amiga. Tão linda, tão especial! E fui assistir de novo "Frenesy", para me reencontrar com ela, nua e moderna, aos 35 anos. E, encantado, fui perscrutrar sua carreira no IMDb e ver suas fotos no Google Images, admirando a passagem dos anos e sua vida, imagem a imagem. Hoje leio que Anna Massey faleceu aos 73 anos! Foi-se uma grande amiga. Minha vida de amante do cinema e do cinema de Hitchcock fica mais pobre, como ficou pobre quando faleceu Ingrid Bergman, Giuletta Masina, Jessica Tandy e tantas velhinhas que quando jovens foram poderosas, corajosas e únicas! Artistas até o último suspiro!

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