quinta-feira, 30 de junho de 2011

Nada como a era Medieval... ou, ai que saudade do Torquemada!


Lá pelos idos de 1986, estávamos eu e uns amigos tomando cerveja e conversando num bar da Saldanha Marinho (que já não existe mais!), quando o dono aproximou-se e convidou-nos a sair. "Esse não é um ambiente para vocês", ele disse. Era o momento certo para armar um escândalo e jogar tudo pra cima. Mas eu e meus amigos pagamos a conta e saimos. Foi tudo muito simples, direto e compreendido nas entrelinhas, mas ficou marcado na minha memória como uma daquelas experiências que determinam a humanidade e o seu significado. Eu, que aos 18 anos, numa profunda reflexão decidi que nunca, jamais, em tempo algum alimentaria qualquer tipo de preconceito. Vinte e quatro anos depois muita coisa mudou no Brasil, quase todas para melhor. E o intenso debate sobre os direitos civis preenche as discussões e a mídia explora cada possibilidade de populismo. Quem somos nós? No que acreditamos? O que esperamos uns dos outros? Como nos vemos? E quando vamos conseguir, seja via família, escola, imprensa, literatura, cinema, televisão, teatro, música ou seja lá o que, ver as coisas que estão distantes pelo menos um palmo de nossos narizes? Os assuntos em pauta relacionados ao casamento entre homossexuais, a cartilha anti-homofobia e até a lei anti-homofobia, obrigam, em último caso, a que todos mostrem a cara e então surgem os "representantes", dignos, virulentos, cheios de razão, a dar demonstrações poderosas de preconceito e incompreensão; de ignorância e violência (sim, porque com palavras também podemos ser violentos!); de cegueira e atrazo. Estava eu, no Bar Botteco, em Passo Fundo, tomando um delicioso vinho tinto chileno e o Rodrigo, da Cia. do Tijolo, de São Paulo, me conta do tal discurso da ex-atriz e agora sei-la-o-quê carismática, Myriam Rios, dando os motivos pelos quais iria votar contra a tal Lei Anti-Homofobia. Queria acreditar no que ele me falava mas me parecia tudo muito difícil. Até que vi e ouvi seu discurso no YouTube. Enquanto leio que meu querido Andy Gerker escreve que está cada vez com mais "ódio dessa mulher suja e ignorante!", eu não conseguia esboçar reação diante de um exemplo tão explícito de raciocínio primário, medieval e hipócrita. A sensação que se tem é que, encastelada em seu mundinho fácil e raso, a senhora Myriam Rios desconhece séculos e séculos de pensamento, filosofia, experiências humanas e transformações. A cada vez que associava homossexualidade com pedofilia ela contrapunha o raciocínio despropositado com frases feitas do tipo: "eu respeito a opção sexual alheia, etc e tal". Uma vergonha eleitoreira com o único intuito de arrecadar votos de outros ignorantes, que chega a surpreender pela sem-vergonhice. Lembro de Nelson Rodrigues em suas primeiras confissões, definindo o canalha: "o canalha, quando investido de liderança, faz, inventa, aglutina e dinamiza massas de canalhas. Façam a seguinte experiência - ponham um santo na primeira esquina. Trepado num caixote, ele fala ao povo. Mas não convencerá ninguém, e repito: - ninguém o seguirá. Invertam a experiência e coloquem na mesma esquina, e em cima do mesmo caixote, um pulha indubitável. Instantaneamente, outros pulhas, legiões de pulhas, sairão atrás do chefe abjeto." Isso é o que é a Sra. Myriam Rios, abjeta em suas mal construídas argumentações. E eu penso que é preciso sim, colocar a cara pra fora da porta e peitar esse tipo de manifestação, porque não podemos em pleno 2011, pagar a conta e sair em silêncio. Não é possível admitir uma distorção tão grande que leve ao pensamento de que proteger o direito de ser homossexual é o mesmo que desrespeitar o direito de ser heterossexual. Não é possível admitir que negros e brancos são tipos diferenciados de seres humanos, que homens e mulheres são tipos diferenciados de seres humanos, que heterossexuais e homossexuais são tipos diferenciados de seres humanos. Não podemos admitir que se use a expressão idiota, “opção sexual”, que diminui a condição sexual. Qualquer camarão fossilizado, desde que bem intencionado, sabe que não existe opção sexual, como não existe opção heterossexual. Isso é demagogia de gente que faz da ideia de pecado uma excelente moeda de enriquecimento econômico e busca de poder. E isso é medieval. É construção de pensamento à custa de violência e ódio. Como a Igreja Católica que impôs sua doutrina pela Inquisição. E não foi à toa que a Sra. Myriam Rios terminou seu abilolado discurso com a palavra “ fogo”! Sua alma falou sempre mais forte, mesmo que não tenha a mínima competência para articular corretamente uma frase. É assustador! Há 24 anos eu e meus amigos fomos “convidados” a sair do tal bar na Saldanha Marinho... pois bem, sem qualquer resquício da tal “teoria da conspiração”, é bem capaz de chegar o dia em que, depois de tanta “evolução”, sejamos expulsos a tiros! Credo!

Nenhum comentário:

Postar um comentário