segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Piéterson, Clarice, Nelson, Thiago, Alphonse, Passo Fundo e gorgonzola...


Sábado à noite em Passo Fundo e o Piéterson olha pra minha cara e diz que tem vontade de jantar uma comida especial.Onde? Apesar de já estar aqui há muito tempo, não conheço os restaurantes especiais. E ele sugere o Tratoria Toscana. Lá fomos e eu encarei um tortelone verde ao molho de gorgonzola. Sensacional! Um dos melhores restaurantes de massa que já visitei. E além de tudo um serviço de primeira e um ambiente dos mais agradáveis. Mas era isso que ia falar? Não. Ia falar de uma longa conversa que tivemos enquanto jantávamos. É bom dividir nossos paradoxos e contradições com um amigo. Porque na conversa tudo parece muito simples, enquanto na vida os (des)caminhos são mais complicados. É, digamos assim, um jantar nu, onde há pouco a esconder e as verdades, das mais inconfessáveis, parecem simples e até palatáveis, ainda mais quando divididas entre gorgonzolas, camarões e mussarelas de búfala. Amigos... como são importantes! Como conseguem deixar a vida mais leve, mais suportável. Lá pelas tantas, eu, aqui, em Passo Fundo, ensaiando "Canalhas!!!", de novo (re)encontrando Nelson Rodrigues, me pego surpreso com a distância. Nelson Rodrigues em Passo Fundo e Clarice Lispector em Curitiba. Eu, distante de Clarice, do Grupo Delírio, da minha casa, de Curitiba... do Espaço Cênico, que sonho transformar numa loucura de arte tão logo volte do meu exílio inesperado. Um espaço pra gente louca de poesia! Será que eu, o Áldice, o Thiago, a Nena conseguiremos? Alguma coisa muito doida me diz que sim. Então vamos lá! Mas, neste sábado de Passo Fundo, onde estou? Como sou? Digo, entre tantos paradoxos e uma garfada na suavidade do gorgonzola: "Tenho tudo o que preciso aqui, neste momento: um amigo, meu cachorricho Speechless e o teatro. Que posso querer mais? Em que outro lugar do mundo posso querer estar? A eternidade mora no presente!" E mais alguns minutos e recebo uma mensagem do Thiago de Curitiba, falando de "Minha Vontade de Ser Bicho" em sua penúltima apresentação: "...arrisco dizer que foi o mais lindo espetáculo desde a estreia..." Quando foi que - realmente! - eu me decidi pelo teatro? Como me sinto bem viajando em seu tapete mágico sem preocupações à direita nem à esquerda. Tudo parece tão claro! Na volta do jantar, numa Passo Fundo quentinha, apesar do inverno, conto ao Piéterson (pela milésima vez!) do quanto amo Clarice e Nelson e como os dois conseguem conviver em mim, numa boa. E como ainda pretendo afundar no universo de Mario Quintana, um poeta que amo com toda a paixão. Será que em 2012? Mas 2012 me reserva Paulo Leminski, Shakespeare e, quem sabe, Reinaldo Arenas! É a paz do estômago cheio, da alma plena, da vontade de nunca parar de pensar pelas palavras e pelas cenas. De amar os atores! Uma lufada de vento e um susto: "Será que não é perigoso imaginar que teatro é simples? Eu que estou me sentindo o máximo porque, pela primeira vez, consigo dirigir um espetáculo onde, além dos atores, só existem cinco cadeiras, cinco copos e duas garrafas de cerveja!" Lembro do Lanza me dizendo que sou o barroco em pessoa. Sou mesmo. Passo Fundo. Atravessamos a praça central e eu me pago pensando as quase 80 peças de teatro que dirigi. Nossa! Não dá pra dizer que foi um acidente! E, porque os pensamentos se misturam e se confundem numa velocidade incrível, lembro da frase mais maluca que ouvi da boca de John Hurt, vivendo Quentin Crisp perto dos 90 anos, olhando-se, semi-nu, no espelho, no filme "Um Inglês em Nova Iorque", que assisti no GNT, dia anterior: "Até o casamento consigo mesmo um dia acaba...". Ô, meu pai! Chegamos e eu, me atiro ao computador. Um e-mail do amigo Alphonse, que não tenho vergonha de mostrar aqui: "Grande Edson! Vc não erra nunca??? Mais uma vez muito obrigado! Sensacional a peça da Clarice Lispector. Irretocável. Aplaudimos de pé +1 vez! Falei com Thiago e fomos muito bem recebidos. A parte que mais me marcou, dentre tantas, foi quase ao final, quando a Marcia Maggi surta e quebra o vaso, aquela fala é demasiadamente interessante, caso se recorde, de que obra da Clarice ela foi extraída? Gostaria muito de ler o texto da peça. Nos falamos no Sesc, lá estarei e te procuro! Fique com uma poesia minha como forma de singela retribuição, me perdoe a ignorância de tardar tanto a tomar ciência de seu grupo e trabalho, de insofismável qualidade. Meus parabéns a você e a todos de sua equipe! Tamo Junto Sempre! "
Que maravilha seria,
Se eu pudesse,
Fazer
Tantas coisas quisesse,
O que faria,
Se tivesse esse condão?
Mas tenho!
E não faço?
Ou faço?
E não sei...
Estranha liberdade
Vigiada?
Talvez!
Só sei,
Que o que eu quero fazer,
Eu faço!
Sou livre!
Livre para amar,
Livre para voar,
Livre para ganhar,
Livre para perder,
Livre, livre...
Mas às vezes,
Ou sempre,
Me sinto tão livre,
Quanto um pássaro em uma gaiola,
Quanto um louco no pinel.
Quisera eu,
Pudera eu,
Ser mais louco que sou,
Ir mais a fundo nos meus pensamentos,
Fugir da normalidade
Que nos guia e domina
E não sabemos
Se nos faz
FELIZES...
E vou dormir ansioso pelo domingo, com o coração aos trancos e barrancos, a alma adocicando vagarosamente, Nelson Rodrigues sentado à beira do colchão, Piéterson, Marcio, Robson, Pedro e Maicon passeando pelo palco da minha imaginação e, agarrado ao Speechless, sei que a vida é sonho e que dele, vou ainda tirar muita coisa linda pra transformar em teatro! Ah! E cutucando a minha alma de artista, uma frase do Nelson, que acabei de ler, escrita em maio de 1968: "Daqui por diante, só darei uma peça minha ao diretor que provar a sua imbecilidade profunda." Abenção, Nelson! Como te adoro! E obrigado pela parte que me cabe!

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