segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Alguma coisa acontece no meu coração... e os escultores do tempo!


Estive em São Paulo, vivendo o Palco Giratório com o espetáculo "O Evangelho Segundo São Mateus", no Sesc Pinheiros e comemorando meu aniversário no dia 18 de agosto. Quando me perguntam quantos anos tenho, a resposta é imediata: "O suficiente!". E estamos conversados. Agora teatros! Na terça-feira fomos assistir "Macumba Antropofágica" no Teatro Oficina, com direção do Zé Celso Martinez Corrêa e luz do Beto Bruel. Ninguém deveria morrer sem antes ter assistido a um espetáculo do Zé, faz parte do aprendizado da vida e da consciência do muito que é o teatro. Há vinte anos fiz assistência para ele, no primeiro Festival de Curitiba, quando ele trouxe sua versão de "As Criadas" de Jean Genet, com o título de "As Boas". Não chocou Curitiba com sua irreverência, seu anarquismo e seu caos dionisíaco, mas porque arregaçou o cu na boca de cena. Cu, realmente é um escândalo! Ninguém se escandaliza com corpos sendo dilacerados em guerras no Jornal Nacional, nem com o coletivo de políticos ladrões e assassinos que brotam pelas árvores do Brasil, como pragas. Mas cu escandaliza. Sei. O que escandaliza mesmo é a liberdade! Zé Celso me ensinou muito naqueles dez dias, mudou minha maneira de ver a cena e cravou na minha consciência a ideia de que não importa que peça você esteja fazendo, você sempre estará com os pés no tablado e que tem que saber o porquê disso a cada segundo. "O que é isto, Zé?" "Stanislavski!", ele respondeu na lata! Em "Macumba Antropofágica" o Zé, a partir de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, faz uma desculpa pelo tempo pra desembocar no que o incomoda em nossas épocas: a reação homofóbica contra os direitos dos homossexuais e que aparece, descarada, em todas as formas e cores. Você não vê os evangélicos pagando outdoors condenando a fome, a violência e a corrupção. Mas usam a palavra de Deus para condenar o amor. Como se Jesus não tivesse dito: “Ama a teu próximo como a ti mesmo.” E a “Macumba...”? Um elenco de jovens atores, todos pelados totais, brincam, se beijam, rebolam, cantam e se expressam como índios, fazendo da roupa o signo do aprisionamento. Até a plateia fica sem roupa  e o espetáculo é o Zé de sempre, talvez menos elaborado, mas mais brechtiano que nunca e coerente até os ossos! Amo o Zé Celso, preciso dele, me alimento dele, vampirizo sua loucura para não me entregar à burocracia da mediocridade. Meu Zé Ninguém é poderoso e o Zé Celso é o meu Reich, batendo com o martelo de Dionísio na minha cabecinha, às vezes dura e medrosa. Viva Zé Celso Martinez Corrêa! E agora, pra variar, cinema! Na quinta-feira fui assistir "A Árvore da Vida", do Terrence Malick. Eis aí um diretor que tem um compromisso eterno com a própria mitologia. Todos cobram dele o original e por isso ele pode se dar ao luxo de tal. É um privilegiado. Seus filmes vão mal nas bilheteria mas a sua aura de "excêntrico" é necessária. Pelo menos para o meu gosto "A Árvore da Vida" é o seu melhor filme e uma das mais sensíveis experiências que o cinema nos oferece neste 2011. Terrence reflete sobre a infância, mas não apenas a infância física, mas a da vida na terra, aquela que permenece em nossa alma, apesar da maturidade; a experiência sensorial com a aventura da existência e suas cicatrizes. Faz uma viagem ora mítica, ora psicológica, onírica, imaterial e muito emotiva pelo exercício de pensar a própria vida. Não é um filme, é um estado filosófico! Como Clarice Lispector! Será que o Terrence ouviu falar dela?  Assim como Clarice usa as palavras para não entender a vida, Terrence usas as imagens para também encher-se de dúvidas! Viver ultrapassa qualquer entendimento! Sei que são coisas diferentes, mas não consigo deixar de pensar que o Zé com sua peça de mais de quatro horas e o Terrence com seu filme de quase duas e meia, fazem do tempo, matéria para escultura. São senhores dele. O que disse um dia o Tarkovski sobre a arte. Deitam e rolam no subjetivo para usar e abusar do tempo. Querem explicar toda a complexidade da vida em um único suspiro de obra de arte! Se conseguem? Não importa. Importa a experiência viva do momento. A cada segundo de suas respirações fazem uma nova, dividem conosco suas angústias e seu prazer pelo momento presente. São necessários e sabem disso. Teatro/cinema/arte. Em um determinado momento de "O Evangelho Segundo São Mateus", o Guilherme faz uma pergunta e uma provocação para a plateia: "Quem ouviu? Quem não ouviu não sabe o que perdeu!" Pois é, quem não viu um espetáculo do Zé ou um filme do Terrence Malick, não sabe o que perdeu. E pior: quem viu mas não viu. E estamos conversados.

Um comentário:

  1. Edson, assista Source Code. Um daqueles filmes que brincam um pouco com a realidade a lá Inception. Não tão bom quanto, mas vale a pena!
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